Quando o exercício deixa de ser saudável?

Por Paula Costa Teixeira

O exercício físico recomendado para “cuidar” do peso corporal não necessariamente torna as pessoas mais ativas, nem mais saudáveis. Esse tipo de discurso pode aumentar o preconceito à diversidade corporal, distorcer o conceito de saúde, gerar a insatisfação corporal, neuroses alimentares e incentivar o exercício disfuncional.

Exercício disfuncional é caracterizado por:

  • treinos extenuantes que não levam em consideração o seu nível de energia e disposição do momento;
  • são acompanhados somente por pesagem corporal e fita métrica (antes e após cada sessão de exercício), número de calorias queimadas;
  • perfeccionismo extremo que excede limites a ponto de gerar muito mal-estar (como náuseas, enjoos e até desmaios);
  • uma preocupação extrema com o treino que causa angústia e sofrimento caso algo impeça a sessão do dia.

O exercício físico poder ser um momento agradável, um lazer ativo, uma oportunidade de sentir o movimento fluir, de energizar o corpo, reorganizar as ideias, esvaziar as preocupações, relaxar as tensões, dar uma pausa nas obrigações, integrar o corpo e a mente, de acordo com a disposição e o nível de energia que você tem para cada dia, isto é, um exercício intuitivo.

Porém, se o foco é total no peso corporal, o exercício se torna uma usina de pensamentos obsessivos sobre corpo e calorias.

E ao invés de você sentir aquela dor de um exercício que relembra a sua vitalidade, que seu corpo está vivo e funcionando em plena atividade, você se exercita para chorar, sofrer, punir, e às vezes, até se lesionar.

Compensar insatisfações com o exercício físico não traz saúde. Acredito que após dez anos de experiência trabalhando no tratamento de pacientes com transtornos alimentares tenho alguma propriedade em falar isso. Inclusive porque cuidar dessa doença exige anos de tratamento.

Diferente de um cirurgião, por exemplo, que acompanha o paciente poucos meses antes e depois da cirurgia, a equipe multidisciplinar que tratam desordens mentais convive por anos nas vidas dessas pessoas que lutam contra as neuroses alimentares e corporais, semanalmente dentro de um instituto de psiquiatria. E lá há pessoas que fizeram cirurgia bariátrica e desenvolveram transtorno da compulsão alimentar. Há pessoas que fizeram dietas restritivas e que usam sonda para reganhar um peso mínimo para sobreviver. Há pessoas que só queriam ser aceitas pela família e pelos amigos, ou ainda que queriam “provar para todo mundo” o quão determinadas elas são e que poderiam ter o peso ou o tipo de corpo “permitido” para fazer parte de um grupo, ter o direito de não ser mais vítima de piadas e rótulos (bullying).

O exercício intuitivo (intuitive exercise) é um conceito que surgiu para conscientizar pacientes com transtornos alimentares sobre a prática de exercícios físicos. Os transtornos alimentares são síndromes psiquiátricas graves que causam muito sofrimento na relação com a comida e com o corpo. E essa relação sofrida e difícil não está apenas nas pessoas que fecham todos os critérios diagnósticos para a doença. Está bem presente na nossa sociedade pensamentos confusos e contraditórios sobre o que se deve comer, como se exercitar para emagrecer e qual peso corporal é o ideal.

Pensar demais sobre essas questões geram comportamentos e atitudes totalmente desconectados dos sinais do corpo humano. Isso porque a sabedoria do corpo acaba sendo suprimida pelos pensamentos preocupados com o que o outro vai pensar, com o percentual de gordura, ou ainda, com o tanto de exercício que precisa ser praticado para compensar as calorias ingeridas.

O conceito de saúde está distorcido e necessita ser redefinido no senso comum. Peso corporal não é o único nem o mais importante indicativo de saúde, bem como o percentual de gordura, que também não traz informações sobre como está a saúde.

Lido com pessoas que possuem o peso corporal “da moda”, isto é, um peso classificado como adequado para a saúde, mas que também apresentam questões como: altas taxas de colesterol, baixa densidade mineral óssea (quadro que leva a osteoporose, o que é difícil de se reverter), fumantes, que exageram nas bebidas alcoólicas, que possuem depressão, ansiedade, irritabilidade, problemas para dormir, entre outros sintomas. O peso corporal está adequado, e aí? Como fica o critério de saúde atrelado ao peso corporal em casos assim?

O peso corporal é um indicativo de saúde que, a meu ver, não precisa ser a prioridade. Já há evidencias científicas que mostram fatores de risco à saúde mais relevantes que o peso corporal. Campanhas e discussões sobre saúde pautadas no peso corporal estimulam o estigma a obesidade, um medo anormal pela gordura, uma mentalidade de que para se ter saúde é preciso viver fazendo regimes e se exercitando para queimar calorias.

O mais triste é acompanhar a chegada de pessoas cada vez mais jovens para tratamento psiquiátrico. Ou ainda ver pessoas que nunca buscaram ajuda por acreditarem que essas neuroses são normais. E que depende da “força de vontade” de cada um mudar o corpo, que há pessoas “fortes” que lidam com isso e não adoecem.

Não tem a ver com ser forte ou fraco física, mental ou emocionalmente. Tem a ver com a genética, resiliência, limiar de dor, enfim, o respeito ao jeito de ser e ao corpo de cada ser humano.

Como profissional de saúde e da educação física, superação nas condições atuais da nossa sociedade, a meu ver, é se manter consciente, otimista e perseverante em meio a tanta informação. Cuidar do seu corpo por meio do exercício físico é simplesmente ser ativo regularmente. Você pode ser movimentar pelo menos por 30 minutos por dia, e você terá saúde.

Saúde não é estética. E se você quer estética, tudo bem, você tem esse direito. 

Treine seu corpo com orientação qualificada, planejamento, regularidade, intensidade organizada e, principalmente, com seus pensamentos em paz e a favor do único corpo que você tem. Se exercitar com uma atitude respeitosa a si mesmo, aos que estão ao seu redor e à sua influência na mídia significa praticar um exercício intuitivo.

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Paula Costa Teixeira
Educadora Física, Doutora em Neurociências e Comportamento pela USP, Especialista pela UNIFESP, Colaboradora do AMBULIM e Membro do GENTA.