A cozinha, o cozinhar e comer consciente.

Por Vera Lúcia Salvo

Como é a sua cozinha? Quanto tempo você passa nela? Tem preparado suas refeições? Costuma realizar suas refeições em família? A família pode ter sido a primeira comunidade a se estabelecer em torno do alimento e, nos dias atuais, encontra-se fragmentada.

Uma refeição em família, é momento cada vez mais raro nos lares do Brasil e do mundo. Um come na sala, o outro no quarto, no escritório e muitas vezes desatentos ao ato de comer, não raro, diante de algum aparelho eletrônico ou perdidos em pensamentos… 

Uma interessante etimologia da palavra família é aquela que a aproxima do sânscrito dhaman, que significa casa. De acordo com Moreira (2010), além da possível origem indo-europeia, a palavra casa remete ao sentido de lar.

Lar deriva do latim lare, que por sua vez significa a parte da cozinha onde se acende o fogo. Lugar que aquece, que aconchega… É onde as refeições são criadas, onde alimentamos o corpo, a mente e a alma acompanhados de amigos e familiares.

O ser humano ao se alimentar não só nutre o corpo, mas também a alma. Nina Horta, em seu livro “Não é sopa” afirma: “comida da alma é aquela que consola… Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância”.

Não por acaso, a cozinha é chamada de coração da casa, independentemente do seu tamanho. O coração é o órgão que bombeia sangue para todo o corpo, nutrindo as células. 

Interessante recordar que meu pai, português, e, portanto, a comida ocupava um significado social e emocional fortíssimo, sem conhecer nada do que acima está escrito, sempre valorizou a cozinha. Era o cômodo mais importante da casa e tinha que ser grande, pois se fosse pequena, não havia nenhuma possibilidade de morarmos nela. 

Me recordo de quanto tempo minha mãe passava cozinhando, em especial nas festas de fim de ano. Até a lição de casa da escola eu fazia, durante a minha infância, na mesa da cozinha. Sem dúvida era um lugar em que me sentia acolhida.

Ao longo do tempo as cozinhas foram se modificando, encolhendo, já que as pessoas passaram a cozinhar muito pouco ou não mais cozinhar, uma vez que com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, tudo tinha que ser fácil, rápido de preparar para não haver perda de tempo. O fast food uma opção cada vez mais frequente e mais presente em nosso dia a dia.

A casa perfumada de aromas, o cheirinho do café pela manhã, o aroma dos temperos no almoço, o bolo da tarde, dá lugar hoje, na maioria dos lares à casas e cozinhas inodoras em que se aquece o alimento semi pronto, em que se compra o bolo no supermercado e se utiliza o tempero de saquinho.

Mais recentemente vimos a tentativa da arquitetura em tornar novamente as cozinhas espaços de convivência, onde mais do que cozinhar, experimentar e testar receitas as pessoas pudessem passar bons momentos do dia, contando histórias, revelando segredos… um espaço de entretenimento. 

Mais do que entretenimento, para comer de forma saudável Satter (2007), sugere que a pessoa possa organizar-se de maneira a fim de ter tempo para comer e sempre que possível preparar suas refeições, manter uma atitude de curiosidade em relação a novos cardápios e novas comidas, ser capaz de selecionar, comendo de maneira intencional e planejada, observando os sinais de fome e apetite e parando de comer quando saciada.

“Comemos para viver e não vivemos para comer”.

A medida em que o ser humano se torna mais consciente, conectado consigo, o impulso de comer apenas para uma compensação ou prazer momentâneo, pode diminuir. Para esta conexão com o seu eu é importante manter a prática de mindfulness (atenção plena) para então chegar ao mindful eating (comer consciente). 

Como você está se alimentando? De que forma faz sua refeição?

Que você possa estar conectado com seu corpo, que possa degustar cada momento de preparo do alimento, honrando o caminho que ele percorre até sua mesa, que você possa partilhar a comida, sorrisos, olhares e emoções, com atenção, intenção e compaixão! 

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Vera Lúcia Salvo

Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo e em Teorias e Técnicas para cuidados integrativos no departamento de neurologia e neurocirurgia da UNIFESP. Pós-doutoranda em Saúde Coletiva  com ênfase em Mindfulness e Mindful eating– Depto de Medicina Preventiva – UNIFESP/EPM. Instrutora de Mindfulness e Mindful Eating. Member of Center for Mindful Eating (TCME)