QUARENTENA e os gatilhos para o ato de comer.

Por Marcela Salim Kotait

Para muita gente os próximos dias de quarentena e isolamento físico serão momentos de apreensão. Trocar o ambiente de trabalho pelo conforto de casa tende a atrapalhar nossa rotina básica da alimentação, contribuindo para a desconexão com o corpo e, potencialmente, para um comer emocional.

O ato de comer pode ser despertado por vários fatores, entre eles os físicos, que são os mais fáceis de identificar. Refiro-me aqui desde ao leve ronco da barriga até a sensação de fraqueza quando ficamos muitas horas sem nos alimentar. A grande questão, porém, está na necessidade de percebermos e entendermos outros motivadores para o ato de comer.

Ficar em quarentena em contexto de pandemia pode nos levar a sentir muitas coisas, indo desde aquelas que são pouco prazerosas – como tédio e chateação – até outras que são muito ruins, como angústia, aflição e medo. Isolamento físico, sensação de descontrole e falta de perspectiva sobre até quando essa situação continuará podem ser gatilhos para vários desses sentimentos ruins.

Sentir algumas ou até grande parte dessas coisas durante a quarentena parece-me inevitável. É ilusão imaginar que, nas próximas semanas, em algum momento não sejamos acometidos por tédio, desânimo ou até tristeza diante da perspectiva de continuar trancafiados em casa por tempo indefinido. O que não podemos deixar acontecer, porém, é transformar esses sentimentos pouco prazerosos ou ruins em gatilhos para o ato de comer, que é exatamente no que consiste o chamado comer emocional.

Episódios de comer emocional podem vir acompanhados de certas características, entre os quais o comer em grandes quantidades e de forma voraz, sendo seguidos por fases de culpa ou remorso.

Para evitar o comer emocional, é importante criar estratégias de organização alimentar. Identificar os desencadeantes para o ato de comer, por exemplo, pode auxiliar nas reações e respostas; entender os gatilhos situacionais, sociais/familiares (no caso de pessoas que estão isoladas na mesma casa), de disponibilidade ou de ociosidade, idem.

Além disso, o estoque de comida pode ser trocado por listas organizadas a partir da necessidade real dos alimentos. Da mesma forma, para quem vive com outras pessoas, o ato de cozinhar pode se transformar em algo coletivo, como maneira de manter todos unidos e entretidos.

Refeições planejadas e organizadas também tendem a gerar sensação de tranquilidade e segurança.

E, claro, diante de tudo isso, respeitar os nossos próprios sinais físicos é fundamental. Fique atento ao que o seu corpo diz com relação à sensação de fome e de saciedade. Manter-se conectado pode servir como guia para a rotina e para bloquear episódios de comer emocional.

Por fim, aproveite esse momento para refletir sobre como está sua relação com a comida. Disponha-se a deixá-la como sua aliada para as próximas semanas, e não como vilã.

0

Marcela Salim Kotait
Nutricionista, especialista em TA, coordenadora da equipe de nutrição do Ambulatório de Anorexia Nervosa do AMBULIM do Hospital das Clínicas de SP e membro do GENTA.