Incorporando gratidão

Por Ana Carolina Costa

Há uma metáfora budista bastante interessante que ilustra os dois tipos de sofrimento que podemos ter na vida: o sofrimento primário e o secundário. 

Imagine um indivíduo que levou uma flechada: a dor causada pela flecha seria o sofrimento primário, ou seja, algo inevitável que nos faz sofrer de forma real, concreta. O sofrimento secundário é aquela carga extra de dor – física ou emocional – que criamos a partir do sofrimento primário. Ou seja, é o potencial do indivíduo de aumentar seu sofrimento criando pensamentos do tipo: “e se eu perder o braço?” (antecipação e catastrofização); “por que eu?” (vitimização)…

Ao aplicarmos essa sabedoria milenar à nossa relação com o corpo, veremos que não é tão diferente, e que de fato temos uma certa responsabilidade sobre nosso sofrimento. Afinal, não temos controle sobre o sofrimento primário, mas o secundário depende em grande parte da nossa postura. Vejam no exemplo abaixo:

– Sofrimento primário: “minha barriga é maior do que eu gostaria”

– Sofrimento secundário: “por que será que não consigo ter a mesma barriga da fulana?”; “meu corpo é feio, vai ser difícil achar roupas que me deixem bonita”; “será que vou arranjar namorado? Eles preferem moças mais magras”; “nossa, que saco, se ao menos eu tivesse mais tempo para ir à academia…”

Ou seja: boa parte do sofrimento com nossa imagem corporal é alimentado por nós mesmos. E saber disso pode nos ajudar a mudar nossa atitude diante do corpo que temos. E uma das maneiras de transformarmos nossa relação com o corpo é por meio do exercício da gratidão.

Em seu livro “The gratitude diaries”, a autora Janice Kaplan conta como exercitar a gratidão diariamente durante um ano trouxe mudanças positivas em vários âmbitos de sua vida. Uma das formas que ela cita no livro para exercitar este estado positivo é preencher um diário de gratidão. Basicamente, esse hábito consiste em anotar todo dia algo pelo qual você é grato: o elogio de alguém; um ato de gentileza no ônibus; uma refeição em família; o tempo chuvoso… Qualquer coisa serve!

O fato de você ter que buscar ativamente em sua memória algo positivo no dia já ajuda a driblar o viés negativo que temos, isto é, a habilidade de nosso sistema nervoso de registrar com mais facilidade as coisas negativas do que as positivas.

Então deixo uma sugestão a vocês, leitores: que tal preencherem um diário de gratidão corporal por um tempo e perceberem o quanto isso impacta na relação que vocês tem com o corpo? É um exercício desafiador e revolucionário em tempos de insatisfação corporal generalizada, mas pode valer a pena. Serei grata a vocês se puderem me contar depois.

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Ana Carolina Costa
Nutricionista, atua na equipe de Nutrição do AMBULIM, é membro do The Center For Mindful Eating e autora do Blog ocorpoemeu.com