Coronavírus: por quê, para quê?

Por Vera Lúcia Salvo

Vivemos um momento ímpar em nossas vidas, no país, no mundo… 

E como em muitas coisas na vida, estes tempos de coronavírus podem representar em nossas vidas um teste, um castigo, uma lição ou um presente. Tudo depende de quais lentes vamos colocar…

Sem dúvida, a situação pode ser um teste de paciência e confiança perante os desafios que se apresentam a cada dia. Sair do modo “fazer” o tempo todo, no piloto automático, agenda cheia, para, por necessidade, imposição dos fatos, ser arrancado da rotina e abrir um espaço para “ser”, se ver, se perceber… Viver algo novo, diferente, nos causa medo e isso é completamente normal. Perdemos o chão, pois como se tivessem nos tirado o script, não sabemos mais o que fazer, como agir. Tudo o que fazíamos precisa ser mudado, adaptado, revisto. Adquirir novos hábitos, abrir mão de outros… 

O medo, esperado em situações como esta, em pequenas doses é benéfico, nos protege; mas em grande proporção, nos paralisa. Assim, veja se é possível acolher de forma carinhosa o medo, a insegurança que possa estar sentindo, como amigos vigilantes que tentam nos levar à prudência nas ações. O turbilhão de sentimentos faz parte do processo, você pode estar se cobrando demais.

A medida que nos colocamos no lugar de vítimas, permitindo que o estresse nos domine, nos desconectamos da realidade para viver o cenário catastrófico criado por nossa mente sempre ávida por nos proteger, escalonamos o sofrimento com cenários fictícios, projetando um futuro desconhecido, deixando de viver o presente e sofrendo muito além do necessário. A situação vivida se torna assim um castigo.

Veja se é possível trocar a pergunta mas por que isso está acontecendo, proferida com indignação, pelo para quê? E em uma postura mais aberta, curiosa, em que pode me ajudar, ser útil? 

Talvez seja possível extrair a lição de que intersomos, da interdependência entre todos nós seres vivos. A lição de humildade ao perceber que algo tão pequeno, como um vírus, vindo de tão longe, pode trazer tantos impactos, em diferentes contextos e por um tempo indeterminado. O reconhecimento do quanto nossa saúde física, mental, pode se fragilizar se não estivermos atentos, especialmente em épocas em que as incertezas são certas. Que não temos o poder e controle que desejaríamos, pois há uma teia de conexões ligando tudo a todos de forma muito mais ampla que imaginamos. A impermanência de pessoas, situações, a humanidade compartilhada que independente de classe social, país; sente e sofre de formas muito semelhantes. 

A partir de um olhar compassivo, respirando, dando uma pausa ante o turbilhão do que surge, a possibilidade de recebermos o que chega como um presente, uma oportunidade de, com curiosidade, sem tanto julgamento, aproveitar o tempo, o momento presente, tal qual ele se apresenta, ou, em linguagem nutricional, transformar o limão azedo, em agradável limonada. Por uma questão evolutiva, temos a tendência de nos fixar ao que é ruim, mas ao nos conectarmos conosco, no silêncio de nossa alma, podemos olhar para tudo que está acontecendo com mais clareza, sem que a emoção traga a opacidade à visão. O ditado popular já dizia: “água derramada, aproveita-se o que se pode”. Se ficar em casa, não é mais uma opção, é o que temos para hoje, que tal aceitar?

O sofrimento faz parte de nossa vida, é natural, mas sofrer, além do necessário, pode ser uma escolha. 

Estando mais isolados em casa, haverá mais tempo de estar conosco, de nos conhecermos melhor, nossas reações, impulsos. Mais tempo também de convivência com a família, tantas vezes negligenciada pelos afazeres laborais. 

Quanto reclamávamos por não ter tempo para fazer tantas coisas que gostaríamos e agora que temos tempo, o que fazemos? Como diria Vicente de Carvalho: “A felicidade não está onde estamos e sim onde a pomos e nunca pomos onde estamos” ou ainda lembrando Gandhi “Não há caminho para a felicidade, a felicidade é o caminho”.

O convite é que possamos guiar nossas ações, não pelo medo, mas pelo amor. 

A escolha é sempre nossa! 

Que possamos superar este teste, aprender a lição, não encarar como castigo e receber como presente o momento vivido. 

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Vera Lúcia Salvo

Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo e em Teorias e Técnicas para cuidados integrativos no departamento de neurologia e neurocirurgia da UNIFESP. Pós-doutoranda em Saúde Coletiva  com ênfase em Mindfulness e Mindful eating– Depto de Medicina Preventiva – UNIFESP/EPM. Instrutora de Mindfulness e Mindful Eating. Member of Center for Mindful Eating (TCME)