Tempos estranhos: infelicidade, corpo, pressão social e suicídio.

Por Dr. Eduardo Aratangy

Escrevo este texto para tentar compreender por que tantos alunos da minha própria faculdade estão tentando suicídio.

Por que alguns jovens se sentem tão frágeis diante do mundo e por que tantos sofrem desnecessariamente com modelos vazios e inautênticos que ligam a felicidade unicamente às aparências e recompensas imediatas.

Constatar a tendência da nossa espécie para a infelicidade é uma das etapas que todo profissional de saúde mental encontra em sua trajetória. Parte de nós parece buscar continuamente razões para o descontentamento e para a insatisfação. Inveja, frustração e desesperança não são novas, mas ganham uma dimensão inédita e pública na era da “pós-verdade” (nova denominação de uma velha conhecida: mentira).

Cada um de nós tem aspectos mais vulneráveis que se revelam de acordo com as circunstâncias. Parece que o mundo imediato e impensado das redes sociais consegue cutucar nossos pontos fracos com facilidade e de modo recorrente. Basta pensar em uma pergunta simples: você acha que mais pessoas ficam alegres ou frustradas por causa das redes sociais diariamente? É como se fossemos atraídos pelo que nos faz mal. A menina que se sente gordinha vai atrás dos canais de dietas, o adolescente que se sente excluído procura formas de se matar e os discursos de tolerância e aceitação acabam criando subgrupos cada vez mais divididos, fanáticos e raivosos.

Apesar de sabermos que grande parte do conteúdo espalhado pelas redes sociais é exagerado, mentiroso ou produzido com finalidade comercial, muitos se angustiam por não terem aquele corpo perfeito da blogueira fitness, o “sucesso” do jogador de futebol, a “fama” do novo cantor, ou até a felicidade escancarada e aflita do “amigo”. Isso não seria preocupante se não passasse a dominar a vida de uma geração.

Esta virtualização também não é nova, deriva de uma capacidade humana de fantasiar, sonhar e se construir como pessoa. É a mesma qualidade que nos leva a querer mais como indivíduos, através de nossos modelos de comportamento, nossos ídolos e ambições. É aquele impulso que nos faz querer ser melhores. Historicamente é o motor emocional que nos leva às nossas buscas existenciais e que passa, necessariamente, por tropeços, fracassos, derrotas, comparações e dúvidas. Como regra, esses percalços da vida são suportados e, mais importante, fortalecem a construção das virtudes, conceito tão fora de moda.

Uma das consequências da virtualização das vidas é a formação de modelos comportamentais irreais, distantes das possibilidades humanas e inalcançáveis para a maioria das pessoas. Isso se aplica às redes sociais, aos exageros e às “pós-verdades” postados e replicados, se aplica também a todas as perdas do mundo real que temos vivido e que não possuem substitutos na internet.

Fazendo um paralelo histórico, é como se os gregos antigos fossem infelizes por não alcançarem o patamar de um personagem mitológico e deixassem de construir uma vida real por causa disso! Como se reclamassem o tempo todo porque não atingiram a inteligência de Odisseu, a força de Aquiles ou a beleza de Helena! O que talvez os gregos soubessem e que nós esquecemos é que esses modelos são fantasiosos, reúnem qualidades que desejamos e consideramos ideais.

Neste sentido, nossos modelos de comportamento dizem muito sobre nossa época. Qualidades construídas com o tempo e esforço, estudo e trabalho são menos valorizadas que a “celebridade” de canais e mídias digitais que não precisam se comprometer com nada a não ser com a própria celebridade. Isso leva à expansão do exagero, da bizarrice, da mentira e da aceitação pública como único objetivo. A consequência inevitável disso é a diluição das virtudes.

Uma dessas virtudes fora de moda é a resiliência. Podemos defini-la como capacidade psicológica de suportar as adversidades sem se desestruturar. Uma pessoa se torna resiliente ao errar, perder, se frustrar, sofrer e, ainda assim, crescer no processo.
Neste contexto de virtualização da vida, em ambientes controlados e fantasiosos, juntamente com a perda da exposição à realidade, criamos uma geração incapaz de adiar recompensas, suportar derrotas, crescer na adversidade para tornar-se quem realmente pode ser.

Temos uma geração inautêntica, ligada mais às aparências, que prefere postar uma selfie do acidente a ajudar o ferido, uma geração que tem dificuldade em compreender que as coisas importantes requerem persistência para serem construídas e, principalmente, uma geração que se frustra e se desespera com facilidade.

O afastamento da vida real, dos relacionamentos imperfeitos, das recompensas que demoram a vir, das frustrações permanentes da vida, da aceitação da finitude é o que o mundo virtual trouxe, ilusoriamente. Tudo isso do mundo real é desagradável, mas absolutamente necessário para alcançar sabedoria, outra virtude fora de moda. E, para desespero de alguns, a vida real se impõe em algum momento, sem as “curtidas” da rede social. Talvez venha daí o sentimento que os mais jovens têm de que o mundo deve algo a eles.

Verdades doloridas acabam se impondo para esta geração. O mundo não nos deve nada. Reclamar o tempo todo não nos aproxima da realização de nossos sonhos. Protestar por questões irrelevantes consome a pouca energia que temos para fazer algo importante na vida. O mérito se constrói, com trabalho duro e consistência, sorte e talento. A felicidade não segue uma fórmula descrita no Youtube, cada protagonista de sua vida é o único capaz de construí-la.

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Dr. Eduardo Aratangy
Psiquiatra, médico supervisor do programa de transtornos alimentares, AMBULIM, e da ECAL do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.