A indústria da moda tratou historicamente o corpo feminino como se fosse maleável, moldável e modificável, como matéria de escultura. Isso se dá até os dias de hoje, por meio da modelagem das vestimentas, as dietas, cirurgias, procedimentos de beleza e incentivos exagerados a exercícios físicos que deixam, muitas vezes, de levar em conta as possibilidades individuais.
A exposição percorre a história das “torturas” impostas às mulheres ao longo dos séculos, apoiadas em padrões de beleza que oscilaram de acordo com os ditames da moda e, consequentemente, da cultura.
Antes do século 20, a figura feminina ideal era madura e curvilínea, muito diferente do ideal estético de hoje. Espartilhos, ombreiras, cinturas altas e baixas, convidaram mulheres ao longo dos tempos a mutilarem-se, espremerem-se, para corresponder aos padrões estéticos esperados, no anseio de sentirem-se atraentes e aceitas.
Por que valorizamos tanto a beleza? De onde surgem os critérios que demandam a necessidade de submetimento tirânico por parte dos indivíduos aos ideais estéticos de cada época?
Desde que o homem começou a cobrir suas partes íntimas, a roupa passou a funcionar como uma segunda pele, protegendo-o das condições climáticas adversas. A vestimenta também nos possibilita conviver socialmente. O vestir, entretanto, se tornou algo muito além da necessidade de cobrir-se; os trapos deixaram de bastar e a roupa adquiriu um estatuto de desejo, marca de identidade, caracterização de grupo de pertencimento ou de classe social.
A moda é o principal meio para pensarmos e apresentarmos o nosso corpo. A moda engessa, uniformiza ou liberta?
Alguns usam a moda – e fazem moda – para comunicar algo particular e único. Outros, por meio da moda, apagam qualquer traço de singularidade; perguntam: “O que está na moda?”, revelando sujeitos que olham para fora de si, que buscam a impressão que causam refletida no olhar de outro. A aparência tem impacto. Quem não deseja ser atraente e irresistível? A moda serve também para fazer-se notar, age como uma extensão do Eu daquele que se veste. Um recurso para atrair o outro, para ser objeto de seu desejo.
Muitas pessoas são levadas a acreditar que estão de fora ou por fora, que não cabem em nenhum lugar, que são indesejáveis, pois seus corpos e sua aparência não seguem os padrões ideais que, na atualidade, envolvem ser magro, branco e jovem.
A intolerância à diversidade dos corpos é fomentada diariamente pelos meios de comunicação, mensageiros da cultura. Isso vale tanto para a aparência na sua estrutura (o físico) quanto na sua cobertura (a moda).
Outro dia, a filha adolescente de uma amiga foi brutalmente humilhada ao pedir um vestido numa loja. O vendedor disse que não tinha o seu tamanho pois não trabalhavam com vestidos para mulheres gordas. Um momento gostoso, de comprar uma roupa, tornou-se fonte de angústia e dor.
Mulheres e meninas são maltratadas constantemente em ocasiões como essas; são constrangidas pela enorme indústria do preconceito que fomenta a vergonha e o repúdio ao próprio corpo.
Em vez de a moda nos servir, adequar-se aos nossos corpos, os corpos são obrigados a adequar-se à moda.
Talvez fosse o caso de responder: “Uma pena que sua marca não tenha criatividade o suficiente para vestir as mulheres como elas são!”
O sofrimento que a moda causa está ficando fora de moda. Mas, ao contrário, o que nunca vai sair de moda, é cada um poder ser e se expressar como é.
Luciana Saddi, Miriam Tawil e Sylvia Pupo, autoras deste texto, são psicanalistas, membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, integrantes do Grupo Corpo e Cultura e representantes do Movimento Endangered Bodies em São Paulo.
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