Eu não queria ser uma mulher, eu só queria sumir mesmo.

Todos os dias eu recebo por e-mail depoimentos de pessoas que estão ou estiveram em guerra com a comida e com o corpo. Descobri que eu e você não estamos sozinhos. Somos milhares. Ler estas histórias me fez entender como precisamos conversar sobre isso e mudar a nossa mentalidade de dieta e de rejeição ao nosso corpo. Vou compartilhar aqui as mensagem que vocês mandam. Jamais vou revelar o nome verdadeiro de ninguém para não expor.

Essa é a historia da Ana, de 31 anos. 

Meu nome é Ana, tenho 31 anos e fiquei com vontade de compartilhar minha história com vocês porque ela tem um final feliz e acho isso que isso pode ajudar. Eu sou alta (1,78m) e sempre fui a mais alta em tudo. Na escola, na aula de dança, entre as amigas. Com 11 anos já media 1,70m. O que hoje em dia me parece bom, na infância e adolescência fazia com que eu me sentisse inadequada.

Por mais que minhas amiguinhas dissessem que queriam ser altas também, eu só queria ser delicada como elas. Além de tudo eu sempre era tratada como mais velha e isso me fazia acreditar que eu deveria ser exemplar em tudo. Na adolescência, depois da primeira menstruação comecei a ter peitos, bunda, pernas mais grossas e tava feliz com isso, afinal, minha turma era a das meninas mais velhas e assim, estaria “adequada”. No final do ensino médio veio a pressão pela escolha da faculdade, uma série de exigências que eu não tava sabendo lidar.

Tudo que eu queria era ser a menina que eu nunca tinha sido. Eu não queria ser uma mulher, eu só queria sumir mesmo.

Um dia decidi começar uma dieta e tive apoio de todo mundo em casa. Cortei tudo pela metade. Em alguns meses tava com 60kg que já era o limite pros meus 1,78m. Mas aí eu quis mais. Continuei emagrecendo. Mudei até meu estilo. Adotei o “menos é mais” pra vida.

Logo comecei a ouvir que eu parecia doente. Outras pessoas diziam que tava maravilhosa e que não entendiam porque eu não trabalhava como modelo. Afinal, era magra, alta e com um biotipo exótico.

Foi aí que eu encontrei a justificativa perfeita pra seguir meu “jejum”. Comecei a fazer trabalhos como modelo e aí tinha o álibi perfeito. Foi a melhor e pior fase ao mesmo tempo. Eu sentia que tinha algo de especial. Eu tinha conseguido ser a menina esquelética com 49kg.

Padrão modelo de passarela. Mas ao mesmo tempo aquilo era insustentável. Eu me sentia sem energia, sem tesão, tinha medo de sair da minha rotina escravizante e pôr tudo a perder.

Pouco antes de completar 18 anos entrei pra faculdade de psicologia. Os dois primeiros anos foram de muita magreza, controle, amenorréia, fome. Mas conforme o curso foi evoluindo, se tornou inevitável sustentar minha doença, já que eu me preparava para tratar pessoas. Foi quando eu comecei a fazer terapia.

Levou um tempo para eu conseguir pronunciar a palavra anorexia.

Foram tempos difíceis, de mexer na ferida. Nessa época conheci meu marido com que estou até hoje e ele me ajudou demais a superar tudo. Aos poucos fui aceitando minhas curvas, minha feminilidade, retomando minha autoestima. No final da faculdade escolhi a anorexia como tema do meu trabalho de conclusão de curso. Foi uma espécie de prova e de celebração ao mesmo tempo.

O processo todo de “cura” demorou bastante. Dizem que não tem cura, mas eu me sinto curada sim. Hoje tenho uma relação bem razoável com meu corpo e com a comida. Digo razoável porque não conheço nenhuma mulher que se aceite 100%, que não tenha alguma queixa em relação à própria aparência. Tenho alguma insatisfação, mas nada que me prive de comer coisas que eu gosto.

Me sinto bonita. As pessoas me acham magra. Sempre que me dizem isso eu penso que elas não têm ideia do que é a magreza, a não ser as que conviveram comigo na época. Era feio. Hoje consigo perceber isso. Não tenho mais medo de recair.

Abraço,
Ana

 

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