Seu corpo NÃO é uma foto.

Por Luciana Saddi

Venho repetindo em meios científicos, e divulgando para leigos, os resultados de minhas pesquisas sobre a alimentação na atualidade. Hoje, destaco algumas ideias dessa investigação.

O controle social do comer e do corpo nos dias de hoje, além de desnaturalizar o ato de comer (mediado por tantas informações), torna a alimentação fonte de desconforto, de mal-estar, fundando relação perturbada com o alimento e com o corpo.

Quando nos referimos à alimentação é importante compreender que comer é um ato trabalhoso; em seu aspecto psíquico, ocorre de dentro para fora, e não de fora para dentro. A proposição da dieta faz exatamente o contrário. Julga que comer é um ato externo a quem come, por isso, perturba os sinais constitutivos da alimentação: fome, saciedade e prazer ao se alimentar. Essa perturbação gera privação calórica, privação de prazer e compulsão alimentar.

Também provoca terror dos alimentos e da gordura, sendo a principal causa da perda da autonomia alimentar – cerne dos problemas alimentares. Essa condição é em grande parte produzida socialmente e, revela que o sujeito psíquico foi expulso do homem. A expulsão do sujeito psíquico pode ser entendida, por exemplo, como uma espécie de terceirização do trabalho de comer.

Terceirizamos para as dietas a capacidade de julgar coisas triviais, inclusive a de escolher os alimentos que temos vontade de comer à cada momento de fome. Sendo assim, perdemos a capacidade de saborear os alimentos, de saber a hora de parar de comer, de saber quando se tem fome, de escolher a comida por livre e espontânea vontade. Comer se tornou um ato desconectado dos sinais internos que deveriam regulá-lo.

O corpo, nos dias de hoje, passa por processo semelhante, me refiro ao processo de alienação descrito acima, pois o corpo se tornou objeto de autocontemplação, está diante de nós e não, em nós. O corpo expulso do sujeito é tratado como se fosse imagem do corpo.

Observamos nas últimas décadas, crescimento, sem pausa, da exposição do corpo na mídia. Essa multiplicação de imagens segue o movimento de visibilidade máxima, em que o corpo parece não ter mais sombras nem esconderijos, assim, se transforma em tela pela ênfase na reprodução das imagens. Tela, que como o papel, tudo aceita.

Este movimento assinala concretização radical, pois indica que o sujeito psíquico é jogado para outro plano, então, o corpo se torna marca identitária – marca quase que exclusiva de identidade. É quando o Eu e corpo se igualam.

O corpo esvaziado do sujeito, passa a viver com certa autonomia, como se nele ninguém habitasse, o que nos leva em direção à ausência de sujeito.

Encontramo-nos diante de um novo tipo de achatamento, de falta de profundidade, um tipo de superficialidade em seu sentido mais literal.

A obsessão pelas superfícies pode ser a característica formal suprema da pós-modernidade, que indica, sobretudo, perda de substância humana. O sujeito expulso de seu corpo, o excesso de visibilidade e o achatamento das superfícies são indicadores do que há de específico em certos fenômenos da atualidade, quando o corpo se transforma em tela. Corpo tela foi o nome que a psicanalista Magda Khouri deu a esse fenômeno.

Corpo tela é tudo o que você quer ser?

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Luciana Saddi
Psicanalista e Escritora, membro efetivo e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, mestre em Psicologia Clínica – PUC/SP.