13 Reasons Why e a banalização do sofrimento

Por Patricia Gipsztejn Jacobsohn

Dificilmente encontramos espaço para falar sobre a dor. Hoje vamos conversar sobre isso.

Para quem não sabe, 13 Reasons Why é um seriado recém lançado, baseado em livro homônimo, que conta sobre o suicídio de uma adolescente, Hanna Baker, que deixou gravadas 13 fitas cassetes explicando seu processo e contando como algumas pessoas contribuíram para o seu fim trágico.

Pensei muito se deveria ou não escrever um texto sobre a série. Primeiro porque expõe um tema muito sério, o suicídio. Depois porque na série o suicídio foi tratado de maneira descuidada e inadequada contrariando, inclusive, as normas da Organização Mundial de Saúde ao se abordar o tema. Mas muitos pacientes têm trazido a série como tema de nossas conversas, me fazendo perceber o sucesso da série e sua disseminação inevitável, como também a necessidade de abordar alguns assuntos importantes sobre ela.

Como não posso me alongar demais por aqui, afinal, dizem, textos longos na internet não são lidos, vou me ater a somente um dos muitos temas levantados pelo seriado: a banalização do sofrimento psíquico e como nossa sociedade, nossas famílias, escolas e profissionais da saúde (sim, muitas vezes até nós!) estamos despreparados para lidar com a dor.

Primeiramente não conseguimos com facilidade identificar a dor, até por uma proteção nossa, pois às vezes, parece que o mais fácil é fugir dela.

Terminou com o namorado? Vamos viajar! Como se nosso psiquismo não fosse junto! Algo importante aconteceu? Te fez sofrer? Está doendo? Vamos sair, ir para balada, se distrair. Dificilmente encontramos espaço para falar sobre a dor, transformá-la em palavras, sem julgamentos ou sem o tradicional: “comigo aconteceu assim…”. O que desqualifica nosso sofrimento e o coloca numa escala de dor, coisa que não existe. Daí você acha que ninguém te entende, que ninguém pode te ajudar.

Aliás, só podemos ajudar alguém que sofre se pudermos entrar em contato verdadeiro com o nosso próprio sofrimento, sem banalizá-lo. Frequentemente ouço no consultório a frase: “Mas eu não deveria sentir isso!”.  Como assim? Eu sempre pergunto. Se você sente é porque deve sentir, autorize-se a isso, não deixe passar, aprofunde-se na sua dor, fale sobre ela, só assim poderá metabolizar a dor. E mais: se você sofre é porque tem recursos para dar conta do seu sofrimento. E pedir ajuda é também dar conta do seu sofrimento.

O seriado nos mostra como é difícil identificar quando alguém está em dor psíquica, muitas vezes até em processos patológicos, doentes mesmo. Seja porque estamos imersos em nossas vidas e em nossas questões, seja porque muitas vezes quem sofre parece não dar indícios que nos toquem de verdade.

Vou me valer aqui de palavras da própria Hanna Baker. Em uma das fitas ela tenta explicar sua dor e solidão:

“Não estou falando daquela coisa comum de se sentir sozinha em uma multidão. Isto acontece com todo mundo, todos os dias. E não é aquele tipo de solidão ‘quando vou encontrar o amor?’ Ou aquele tipo de solidão ‘os garotos populares são maus comigo’. O tipo de solidão da qual estou falando é quando você sente que não tem mais nada. Nada. Nem ninguém. Como se estivesse se afogando e não há ninguém para jogar uma corda. E quando você está sozinha assim, você aceita qualquer coisa, não importa quão bobo possa parecer”.

Imediatamente a este relato, e penso, como uma forma de refletirmos sobre a banalização da dor, aparece uma cena em uma sala de aula, onde uma adolescente surge dando um depoimento sofrido, chorando, na aula de ‘Comunicação’: “Estou cansada disso, sabe?! Só porque eu não sou magrela, não significa que eu seja gorda.

Então, a lógica adolescente masculina imediatamente diz: “Se estão te chamando de gorda, simplesmente faça uma dieta, não seja mais gorda!”  Mais uma vez, aqui, desconsiderando todo sofrimento da moça que fala, que consegue arduamente transformar dor em palavras. Aliás, o sofrimento com o corpo e com a imagem é frequentemente retratado no seriado.

Penso também que outro ponto importante que se relaciona ao sofrimento, diz respeito a capacidade que perdemos de perceber que o que fazemos ou falamos, vai afetar o outro. De que forma, não sabemos. Isto depende de muitos fatores, mas principalmente das configurações psíquicas de cada um, dos caminhos que cada psiquismo encontra, ou das bases em que cada psiquismo está assentado.

Uma paciente adolescente me disse: “Me desculpa, ninguém fez nada para ela chegar a se matar, foram coisas normais de adolescentes”. A própria Hanna pode responder a isso: “Ninguém sabe o que realmente acontece na vida de outra pessoa. E você nunca sabe como o que faz vai afetar outra pessoa”.  E ainda: “Você não pode mudar os outros, mas pode mudar a si”.

A série traz episódios que retratam dores, angústias, relações familiares, relações escolares, aceitação X rejeição e intensidades adolescentes que penso, não devem NUNCA, não serem levadas a sério. Mas acho que a série toca num ponto nodal: a ética. E a incrível incapacidade ética dos nossos tempos modernos: mentiras, trapaças, agressões (verbais e sexuais) socialmente aceitas. E os efeitos nefastos disso no psiquismo adolescente e como isso, facilmente, se embrenha em seus estilos de vida.

E termino me valendo das palavras de Clay Jensen, um dos protagonistas da série:

“Precisa melhorar. O modo como nos tratamos e cuidamos uns dos outros, precisa melhorar de algum jeito.”

Observações importantes:

  1. Me preocupo com a pouca idade de alguns dos jovens que vem assistindo ao seriado. Ele traz questões e imagens fortes. Inclusive em alguns episódios aparece um aviso sobre as cenas.
  2. Não pretendi aqui retratar a importante questão do suicídio. Mas deixo referências importantes com relação a como o tema deve ser tratado:

http://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/world_report_2014/en/

http://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.pdf

http://www.cvv.org.br/downloads/manual_prevencao_suicidio_profissionais_saude.pdf

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Patricia Gipsztejn Jacobsohn
Psicóloga e Psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Especialista em adolescência pelo Sedes Sapientiae. Coordenadora da Ceppan.