Se sentir bem para mudar ou mudar para se sentir bem?

Por Ana Carolina Costa

Atendi um jovem com transtorno alimentar que, ao me contar sua história, disse que um dos fatores precipitantes para o início da doença foi o comentário de sua professora, após ele sofrer bullying dos colegas devido a seu peso: “Sabe, fulaninho, talvez você possa conversar com seus pais, tentar emagrecer um pouco, pois na verdade ninguém gosta mesmo de pessoas gordas… Vai ser pro seu bem.”

Ainda não consigo entender a lógica perversa – e extremamente arraigada em nossa sociedade – de fazer alguém se sentir mal, acreditando que isso vai então “motivá-lo” a mudar.

Foto: Shutterstock.

Segundo teorias da Entrevista Motivacional, motivação vem do quanto o indivíduo percebe a mudança como importante para sua vida e do quanto ele se sente confiante em poder executá-la. Difícil imaginar que uma pessoa se sinta confiante ouvindo todos os dias a mensagem de que é inadequada…

Talvez precisemos primeiro nos respeitar e nos sentir melhor sendo quem nós somos hoje, independentemente do nosso peso, para então poder mudar comportamentos. E não mudar (que para muita gente é sinônimo de “emagrecer”) para só então nos gostarmos.

Esse caminho parece não fazer tanto sentido quando abraçamos a ideia de que somos dignos de respeito e acolhimento simplesmente por existirmos.

Outra coisa que me incomoda: já ouvi um colega profissional da saúde dizendo que “o problema do gordo é que ele não se enxerga. Se ele de fato soubesse o quão gordo ele é, se esforçaria mais para emagrecer”. Quer o obeso se perceba ou não como tal, emagrecer não é algo que simplesmente dependa do esforço e desejo individuais, e sim um processo complexo que envolve uma série de fatores que, em sua maioria, não podem ser controlados pelo indivíduo.

Ser gordo não é uma escolha para a maioria das pessoas, e na realidade, grande parte dos obesos sabe sim que está gordo, vivendo em meio à gordofobia e ao estigma da obesidade seria quase impossível não se dar conta.

Alguns, de fato, podem subestimar um pouco seu tamanho corporal, o que está relacionado com aspectos de processamento neural da imagem corporal (veja aqui) e também com a dificuldade de se assumir gordo numa sociedade que despreza quem se encaixa nessa categoria. Ou seja, algumas pessoas entram em negação em relação ao seu peso porque, se de fato se assumissem/percebessem como gordas, suas vidas poderiam se tornar bem mais difíceis e hostis.

Proponho refletirmos sobre a ideia de que precisamos mudar para só então nos sentirmos bem conosco. Você merece se sentir bem hoje, pelo simples fato de ser humano e, portanto, falível. Quem sabe, então, ao se sentir mais digno e merecedor, não consegue mudar aquilo que tanto te incomoda? 

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Ana Carolina Costa
Nutricionista, atua na equipe de Nutrição do AMBULIM, é membro do The Center For Mindful Eating e autora do Blog ocorpoemeu.com