Qual o papel do nutricionista no tratamento dos transtornos alimentares?

Por Fernanda Timerman

Se você fizer essa pergunta para alguém que tenha um Transtorno Alimentar, provavelmente a resposta será: me engordar!

Atendo pacientes que vem trazidos por alguém ou encaminhados por psiquiatra ou psicólogo sem a menor vontade de estar ali, que nem estão considerando mudar.

Mesmo quem vem de forma voluntária, pois está consciente de que tem um problema, ainda assim fica bastante ambivalente em se entregar ao tratamento, especialmente pelo medo do ganho de peso.

Muitos desses pacientes sofrem de “Alexitimia”, caracterizada pela enorme dificuldade em descrever emoções, sentimentos e sensações corporais.  Ao perceber essa dificuldade no manejo com uma paciente com anorexia ao longo das nossas consultas, procurei uma atividade no modelo de tratamento chamado MantraMaudsley Model of Anorexia Nervosa Treatment for Adults, em que os pacientes são induzidos a reconhecer, expressar e equilibrar as emoções e necessidades (e não suprimi-las ou evitá-las).

Saímos da linguagem verbal e passamos para uma comunicação escrita, e então ela conseguiu expor uma grande dificuldade:

“Acreditar que minha nutricionista só quer me deixar saudável e não acima do peso”

A partir disso, tive oportunidade de explicar quais eram de fato os objetivos no tratamento nutricional especializado, que não é apenas promover um bom estado nutricional e alimentação saudável, mas também:

  • Ajudar o paciente a melhorar a relação com a comida e com o corpo, minimizando medos, angústias e crenças disfuncionais que trazem imenso sofrimento para ela e para os que o cercam;
  • Ajudar o paciente em qualquer questão clínica (problemas gástricos, intestinais, dor de cabeça, falta de disposição e energia, digestão, etc);
  • Discutir crenças alimentares com base científica e com informações mais válidas do que as revistas e as mídias sensacionalistas (tirar dúvidas sobre as informações controversas que recebemos, por exemplo, sobre o ovo, o café, o glúten, o chocolate, as gorduras, o açúcar etc);
  • Minimizar a angústia do peso, explicando suas variações e propondo para se pesar apenas na consulta. Dependendo do vínculo de confiança, muitos pacientes até preferem que o nutricionista “tome conta disso” para que eles diminuíam a neurose com o número absoluto;
  • Ajudar o paciente a reconstruir a confiança em si e nos seus sinais de fome e saciedade e, quando isso acontece, o paciente ganha autonomia e passa a confiar mais em si do que em qualquer tabela (e essa confiança se estende para outras áreas da vida);
  • Parceria na redescoberta do prazer em comer, sem culpa, mas com sintonia e respeito com o próprio corpo e diminuição da guerra constante e diária que imprime uma angustia constante;
  • Ajuda no resgate do comer social, fazendo com que aquele indivíduo consiga comer fora, viajar e viver de maneira mais significativa;
  • Discutir padrões de beleza e qualidade de vida entre outros temas que tenham conexão direta com a forma como o paciente vivencia sua relação com o corpo e a comida.

O nutricionista que escolhe trabalhar com transtornos alimentares tem uma longa jornada para se capacitar e atender esses pacientes, pois a maioria das abordagens e técnicas para esse público não são ensinadas na faculdade. A atuação exige conhecimento aprofundado em psicologia, psiquiatria, habilidades de comunicação. Essas habilidades podem ser adquiridas em cursos de aprimoramento oferecidos pelo Ambulatório de Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas e também em cursos e no livro da Nutrição Comportamental.

Quando fui pontuando com a minha paciente os possíveis alcances no nosso processo no atendimento nutricional com foco em mudança de comportamento, ela passou a me ver mais como uma aliada do que como alguém que apenas quer “engordá-la”.

Quem estabeleceria o peso que ela deveria recuperar não era eu, mas sim seu próprio corpo que, minimamente, deveria voltar a produzir hormônio feminino para que ela voltasse a menstruar. Mais uma consulta inteira dedicada a explicar o motivo pelo qual isso é importante, de uma forma didática e não impositiva.

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Referência: Timerman F, Alvarenga M, Fabbri A et al. Nutrição comportamental no tratamento dos transtornos alimentares. In: Alvarenga MS, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio CMA. Nutrição Comportamental. Barueri: Manole; 2015. p. 381-412.

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Fernanda Timerman
Nutricionista, Mestre em saúde pública. Faz parte da coordenação do GENTA, Grupo Esp. em Nutrição e Transtornos alimentares e da Nutrição Comportamental.