Estamos comendo em excesso por vício ou pelo ambiente em que estamos inseridos?

Por Anna Carolina Rego

Falar em “vencer” compulsão por determinado alimento é o primeiro erro de quem defende o vício por comida. Declarar guerra contra algum alimento só dificulta mais a relação com ele. Por que ao invés de falar sobre pessoas viciadas em determinado alimento, não questionamos o que a indústria está nos oferecendo para comer?

O prazer despertado por esses alimentos é natural e evolutivamente explicável. Nos primórdios da nossa espécie, antes dos rótulos e das informações nutricionais nos guiarem, era fundamental confiarmos nas nossas habilidades físicas para sabermos se o que conseguimos caçar era nutritivo ou perigoso para o nosso corpo.

Com isso, um sistema de motivação e prazer, chamado de sistema de recompensa, foi fundamental. Pois os alimentos que mais forneciam energia para o nosso corpo eram os que mais ativavam esse sistema.

Atualmente vivemos em um ambiente que estimula a abundância e o consumo de alimentos de alta densidade energética e desestimula a atividade física. Será que não seria o ambiente em que estamos inseridos que legitima hábitos alimentares excessivos, intensificando o nosso prazer natural pelos alimentos?

Porém essa visão parece ter um apelo menor do que dizer que é “vício por açúcar”, fazendo com que a perda de controle e a dificuldade em resistir a determinado alimento necessite de medicalização.

Até hoje, os dados científicos em humanos ainda não são claros sobre propriedades viciantes de algum alimento. Quando o comer é excessivo, pode criar relações disfuncionais com a comida sim, mas não precisa necessariamente ser uma doença.

Foto: Shutterstock

A comida é algo fundamental para a vida, e por isso é tão importante desenvolvermos uma relação tranquila com ela. Quando a alimentação vai mal, a solução não é uma vida sem comida, mas explorar a criatividade aumentando o nosso repertório alimentar. Além disso, comer normalmente não está relacionado somente com a comida, podendo representar diversas outras coisas na vida de alguém.

Assim, quanto mais focarmos em doença, menos políticas públicas serão desenvolvidas para intervir em nosso ambiente. Enquanto isso a indústria continua desenvolvendo alimentos com composições cada vez mais desconhecidas e os indivíduos são culpabilizados por se tornarem “viciados”.

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Anna Carolina Rego
Doutora em Ciências Biológicas pela UFRJ e idealizadora do Além do Comer (@alemdocomer).