Disciplina x Rigidez.

Por Amanda Menezes Gallo

É disciplina? É rigidez? Ou é rigidez disfarçada de disciplina?

Disciplina é manter a organização, cuidar da rotina, zelar para que a maior parte do tempo determinados comportamentos sejam mantidos, a fim de que metas sejam alcançadas.

A rigidez também passa por manter comportamentos a fim de alcançar objetivos, entretanto, aqui há um componente fundamental que é a INFLEXIBILIDADE. E isso muda tudo.

Ser disciplinado tende a ser saudável. Temos disciplina quando cuidamos do horário agendado para cada compromisso, quando tentamos manter uma rotina de autocuidado na maior parte dos dias, quando nos preparamos para realizar um trabalho responsável e que cumpra a proposta inicial.

A rigidez está relacionada ao cumprimento de regras, e aqui não há espaço para a flexibilidade, não cabe desejo, vontade, questionamentos, poréns, não há possibilidade de mudanças. Pensamentos e comportamentos rígidos são obsessivamente lembrados e/ou repetidos para que a sensações de alívio e eficácia mantenham-se presentes. Em contrapartida, se a regra deixar de ser seguida… já era!!

Enquanto o comportamento for mantido, o sucesso é uma verdade (interna); porém, quando a regra é “quebrada, a sensação de fracasso é tamanha que invalida todo e qualquer esforço prévio, por mais duradouro que tenha sido.

Na disciplina da atividade física, por exemplo, cabe um dia de indisposição em respeito ao estado do corpo ou da mente; na rigidez, isso significaria preguiça, descaso, fracasso. Já na disciplina alimentar, cabe a sobremesa num dia de vontade/desejo; na rigidez, isso significaria falta de determinação, de força de vontade, sensação imediata de aumento do peso corporal, descaso, fracasso, e muita, muita culpa pela falta de “foco”.

O descumprimento do comportamento rígido pode ser representado pelo clássico “já que”. Por exemplo: já que eu saí só hoje, vou fazer tudo e mais um pouco; já que eu saí da dieta, vou comer tudo e mais um pouco; já que passei do horário, agora ficarei até terminar.

Se não houver espaço para a sua disciplina dialogar com a flexibilidade, é chegada a hora de rever o que de fato você está chamando de disciplina.

De modo algum este é um texto sobre como tornar-se menos responsável, mas sim sobre como cuidar da linha tênue existente entre a manutenção de comportamentos ou hábitos relevantes para um bom funcionamento da vida, e a impossibilidade de respeitar variáveis existentes, e que necessariamente influenciarão os seus comportamentos enquanto vida existir.

Ter algo de disciplina é funcional, organiza, e leva a bons resultados; mas, ser exclusivamente rígido torna a possibilidade de flexibilizar tão, tão distante, que faz sentir-se deficiente aquele que por alguma razão não seja mais capaz de sustentar-se intacto como uma barra maciça de ferro. Neste momento, torna-se inadequado falar em saúde.

Por uma vida menos rígida, julgadora, e com menos rótulos de sucesso x fracasso. Por mais compaixão, acolhimento, respeito e senso de realidade.

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Amanda Menezes Gallo
Psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento.