A influência da família no comportamento e hábitos alimentares.

Por Vera Lúcia Salvo

Hábitos e comportamentos alimentares podem promover saúde ou doença. A história pessoal e familiar, além da bagagem cultural, permitem compreender o porquê do desenvolvimento dos hábitos alimentares. As escolhas alimentares que realizamos estão muito mais condicionadas ao nosso paladar, ao preço, ao aspecto, a facilidade em preparar, a publicidade etc., do que aos benefícios que possa trazer para a saúde. 

Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” expressa bem os achados de um estudo da USP em Ribeirão Preto sobre hábitos alimentares e estado nutricional de crianças e seus familiares.

Mais do que palavras, as crianças aprendem com os exemplos. Se quisermos melhorar a alimentação das nossas crianças, temos de nos certificar de que estamos nos alimentando do jeito que gostaríamos que nossos filhos se alimentassem.  

É normal que muitos de nossos hábitos alimentares sejam respostas condicionadas a algo que aconteceu conosco há décadas. Comer, muitas vezes está intimamente relacionado às nossas memórias da infância – as boas e as ruins. Nosso inconsciente influencia nossos filhos e o que eles comem, com base em eventos que aconteceram conosco no passado. Não podemos mudar o que se passou conosco, mas podemos reconhecer o impacto desses eventos e ter consciência deles, para não repetir o ciclo em gerações seguintes. 

Pense na sua infância. Você lembra de ouvir algumas dessas frases dos seus pais, avós, tias da escola ou outros? Por exemplo: 

“Se você não comer cenoura não vai enxergar bem. Já viu coelho usando óculos? 

“Se não terminar o prato não tem sobremesa.” 

“Só mais uma colherada e você pode comer chocolate.” 

“Que menina linda, comeu tudo! 

“Você não vai levantar da mesa enquanto não terminar de comer.” 

Enquanto seres humanos, todos precisamos de reconhecimento; assim, fica fácil entender porque da dificuldade de se relacionar bem com o alimento. Se na infância eu era uma menina(o) comportada(o), comia de tudo, raspava o prato e raramente jogava comida fora, isso rendia elogios dos familiares; admiração. A autoestima estava em boa parte associada a “comer bem”. Sentia orgulho disso, o que trazia um sentimento de bem estar. 

Deixar comida no prato trazia o sentimento de culpa… Décadas se passam e não consigo deixar comida no prato, como quando estou triste, dou comida aos que amo para se alegrarem… 

Crescemos, mas continuamos nos comportando tal qual como quando éramos crianças… O primeiro passo para mudar essa história é estar presente, ter consciência, para construir um futuro melhor para nós e nossos filhos.  

A fim de permitir uma consciência ampliada sobre nossa experiência, a Terapia Focada na Compaixão, bem como Mindfulness (atenção plena, estar presente com uma atitude aberta, curiosa e gentil, sem julgar) pode ser de grande ajuda.

Cultivar a AUTOCOMPAIXÃO pode ajudar a superar a vergonha e a auto-crítica severa que muitas vezes nos acompanham em vários setores da vida, inclusive na alimentação. 

Preciso prestar atenção em mim para descobrir quais são as minhas necessidades, para me cuidar melhor! Segundo a terapia focada na compaixão, de Paul Gilbert, o cérebro humano possui três grandes sistemas de regulação das emoções que por sua vez regulam as motivações sociais:  

(1) O SISTEMA DE AMEAÇA/PROTEÇÃO cuja função é identificar rapidamente as ameaças  e assim disparar emoções como medo, ansiedade, raiva e nojo, além de comportamentos como lutar, fugir ou se submeter; produzindo adrenalina e cortisol, que facilitam o acúmulo de gordura corporal. 

(2) O SISTEMA DE RECOMPENSA: o famoso “eu mereço”, que organiza nossa busca por recompensas e recursos como comida, sexo, amizade, bens materiais, prazer, manias, dependências, com a participação de dopamina; hoje, a comida é quase uma droga, atuando nos mesmos centros de recompensa do cérebro. 

(3) O SISTEMA DE ACOLHIMENTO relacionado às emoções positivas (calma, vínculo, aconchego, conexão, paz), fundamental para o bem-estar, funcionando como sistema regulador do sistema de ameaça-proteção, com a produção de ocitocina e endorfinas, capazes de atuar no mesmo centro de recompensa do cérebro, atenuando assim a avidez alimentar.

 A AUTOCOMPAIXÃO implica em estarmos abertos, atentos e sensíveis ao nosso próprio sofrimento, experienciando assim sentimentos de cuidado e bondade para conosco, com um ingrediente essencial; a atitude não julgadora e compreensiva perante nossa própria experiência.

Sem essa de “enfiei o pé na jaca, está tudo perdido!”.

Em uma atitude AUTOCOMPASSIVA, podemos aceitar as nossas limitações, imperfeições e dificuldades, entendendo-as como parte da experiência de qualquer ser humano. Sempre posso recomeçar, posso mudar minha alimentação a qualquer momento. 

Que a consciência amorosa e compassiva te inspire a cuidar de você e de seus filhos a partir do amor e não do temor.

A comida é cuidado, é prazer!

Você e os seus não precisam sofrer; cuide-se e escolha bem viver! 

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Vera Lúcia Salvo

Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo e em Teorias e Técnicas para cuidados integrativos no departamento de neurologia e neurocirurgia da UNIFESP. Pós-doutoranda em Saúde Coletiva  com ênfase em Mindfulness e Mindful eating– Depto de Medicina Preventiva – UNIFESP/EPM. Instrutora de Mindfulness e Mindful Eating. Member of Center for Mindful Eating (TCME)